As Nuances na Inspiração de Bunny Girl Senpai

Quando se considera o sucesso estrondoso que a franquia Monogatari tem contemplado ao longo da última década – suficiente não só para se tornar uma das mais lucrativas propriedades intelectuais da mídia a qual pertence, como também para estender-se ao mercado editorial do ocidente – não é de se impressionar que surgiriam, entre os mais recentes lançamentos do mercado, tentativas de replicar ou reimaginar o estilo narrativo do trabalho de Nisio Isin. Nos últimos anos, um dos mais populares frutos dessa árvore de influência foi Rascal Does Not Dream of Bunny Girl Senpai – que assim como a obra na qual se inspira, tenta discutir adolescência e a psicologia humana através de fenômenos sobrenaturais metafóricos, piadas sexuais indiscretas e uma retratação condescendente da mídia em que está inserido. No entanto, mais do que impressionar somente pela fidedignidade com que readapta vários dos elementos mais marcantes de Monogatari – ao ponto de frequentemente oscilar entre paridade e cópia –, a série é um excelente exemplo de como até mesmo as menores nuances podem acarretar em leituras temáticas drasticamente diferentes – principalmente quando as obras comparadas são tão semelhantes.

Antes de tudo, é importante ressaltar o quanto a composição visual de Bunny Girl Senpai empalidece em comparação à da obra na qual se inspira – mesmo que não evocasse paralelos com um trabalho de direção e estilo tão criativos quanto o de Monogatari, ainda seria difícil defender o quão ordinário e pouco apelativo é o arranjo estético da série. A cinematografia nunca busca fazer mais do que o absolutamente necessário para que a audiência absorva o que está na tela, em nenhum momento há uma tentativa de apresentar o conteúdo das cenas de uma maneira visualmente estimulante, e a grande maioria dos personagens carecem tanto de identidade que confundir quem é quem em certas ocasiões é plenamente compreensível. Caso o elenco feminino fosse colocado lado a lado diante de alguém alienado à série, e fosse pedido a ele que identificasse a personalidade de cada uma delas a partir do design, dificilmente o indivíduo em questão conseguiria formular uma resposta precisa ou satisfatória. Em contraste, o estilo único de Monogatari exalta a narrativa de um modo tão agressivo que se torna indispensável – desde os lindos fundos minimalistas cuja cor e forma adaptam o tom da cena, ao mise-en-scène que comunica parte do contexto visualmente, até aos recursos inventivos que vieram a se tornar sinônimas com a franquia, como os quadros coloridos que piscam ao longo dos episódios.

Com isso de lado, uma das mais importantes e mais sutis diferença entre ambas as obras se manifesta no modo com que dão conclusão aos seus respectivos arcos – e nesse sentido, é impossível não perceber o quão mais sombrio e implacável Monogatari consegue ser. Por mais que a obra se mantenha bastante animada e lúdica durante a maior parte do tempo, comparar a estrutura narrativa extremamente similar das duas séries permite ver de forma abundantemente clara o contraste em tom temático que há entre elas. De início, ambas apresentam ao protagonista uma linda garota afligida por um fenômeno sobrenatural, e ao longo do segundo ato, dissecam como o problema é provocado por um trauma ou distúrbio que está enrizado na psique dela. Por fim, ocorre a exorcização desse demônio interno, e nesse momento é possível perceber o quão contente a narrativa de Bunny Girl Senpai está em permitir que os personagens sejam inteiramente felizes com a conclusão de cada arco – um luxo que não é dado, dentro das mesmas circunstâncias, ao elenco de Monogatari. Caso estivesse na obra escrita por Nisio, Sakuta não conseguiria magicamente se recordar de todas as memórias que perdeu de Mai somente pela virtude do quanto se apaixonou por ela nos dias anteriores – seria fácil demais.

Outra instância que demonstra a complacência de Bunny Girl Senpai pode ser observada no desfecho do último arco da série, adaptado separadamente num longa-metragem. Todo o desenvolvimento do roteiro é calcado na premissa dramática de que o protagonista precisa decidir entre sacrificar a própria vida para que a garota que lhe colocou de pé quando mais precisava tenha um futuro, ou deixa-la para morrer a fim de caminhar para um futuro no qual poderá viver com a pessoa que ama. Mas, ao invés de fazer com que Sakuta precise lidar com decisões difíceis, arcar com as consequências delas e então se desenvolver como personagem, o autor decide que é mais adequado simplesmente tornar todo o drama do filme completamente vazio no último minuto de exibição – após sacrificar as memórias que tinha de Makinohara para que pudesse ter o futuro feliz com Mai que tanto almejava, o protagonista encontra a garota da qual se esqueceu. Nesse momento, ambos olham um para o outro e instantaneamente recuperam todas as memórias que precisaram perder para solucionar o conflito principal da história – ou seja, nada foi sacrificado, mas tudo foi ganho. Um final genuinamente feliz, no sentido mais literal possível.

Em situações análogas, Monogatari não costuma ser nada além de agridoce. Seria impossível, por exemplo, que Hanekawa milagrosamente continuasse a manter uma persona perfeita sem ter que lidar com toda a angústia e negatividade que se acumulam à medida que ela tenta ocultar o seu lado sombrio. A fim de impedir que novas aberrações surgissem para aliviar o seu estresse, foi preciso que ela de fato aceitasse tudo que havia de mais feio e deplorável dentro dela, se tornar verdadeiramente humana. Lidar com um amor que jamais seria correspondido, com toda a inveja, tristeza e egoísmo que estavam sufocados dentro de seu subconsciente, e seguir em frente – por ela mesma, com as próprias pernas. Do mesmo modo, Araragi não poderia simplesmente insistir em negligenciar o próprio bem-estar e perpetuar o desejo egoísta de resolver o problema de todos ao redor – algo que não só nutre o tipo de mentalidade tóxica que impede que os outros personagens cresçam, como também machuca aqueles que genuinamente se importam com ele. Ele precisa aprender a deixar que outras pessoas se levantem e caminhem por conta própria, abandonar a própria arrogância martirizante, e começar a se preocupar com si mesmo. E a narrativa sabe que não são coisas fáceis de se fazer, e muito menos algo pelo qual é possível passar sem marcas e cicatrizes – mas é necessário. Abandonar as mentiras, crescer.

Nesse mesmo vão, é possível perceber outra grande diferença entre as séries ao analisar a forma com que retratam seus respectivos protagonistas – e, diferente do que a premissa te levaria a acreditar, é uma comparação que deixa claro o quanto Sakuta falha em comunicar os temas pervasivos de pubescência da obra. Contrário a qualquer pessoa real de mesma idade, ele poderia muito bem ser o ápice do imaginário adolescente – inteligente, bonito, sempre capaz de responder a coisa certa e tomar a atitude mais adequada para resolver todos os problemas que a história joga na direção dele, além de agir com um maneirismo que transpira maturidade. Fora os momentos em que ele recorre às explicações de Futaba para descobrir a física por trás dos fenômenos sobrenaturais e as não-tão-escassas cenas que mostram o lado mais sensível dele – o que está muito mais para uma qualidade do que um defeito –, ele é virtualmente perfeito. Um adolescente idiota que precisa deformar a realidade para que ela melhor se conforme à sua imaturidade e que constantemente se prova incapaz de encará-la sem tais filtros, como Araragi, simplesmente empalidece em comparação – diferente de Sakuta, ele é alguém tão quebrado quanto aqueles que tenta salvar.

Entre esses e outros problemas pontuais que a obra enfrenta, seria fácil reduzir Bunny Girl Senpai à uma narrativa que falha em atingir o mesmo nível de profundidade e coesão temática da obra que a inspirou, e então descarta-la junto de outras séries que se provaram incapazes de reutilizar ideias de Monogatari satisfatoriamente – mas talvez não seja o julgamento mais justo a se fazer. Apesar de Monogatari ser, sem sombra de dúvida, mais bem-escrito em todos os sentidos possíveis, muito do criticismo que recai sob Bunny Girl Senpai só existe quando se compara as duas séries – afinal, estaria eu apontando tais problemas se não em virtude de conhecer uma forma muito mais competente de executar o mesmo conceito? Realmente é uma falha terrível ter um personagem principal confiante e assertivo, ou ter finais felizes que evitam desafiar o status quo do personagem abordado pelo arco? Quando se considera o quanto Bunny Girl Senpai já se assemelha à série que a influenciou em texto e forma, deveria eu estar criticando justo aquilo que é feito diferentemente, ainda que a custo de uma abordagem temática mais veras à própria premissa?

E, por mais que essas sejam perguntas que continuarei a me fazer à medida que mais e mais obras tentam recriar a magia de Monogatari, nesse caso, creio que muitos dos problemas discutidos poderiam ser percebidos independentemente da minha preferência por uma permutação pré-existente da fórmula – ou seja, mais do que um incômodo que surge como produto de altas expectativas, a forma com que esses reveses interferem no desenvolvimento temático de Bunny Girl Senpai são um real detrimento à narrativa. Com isso dito, é válido ressaltar que, apesar dos defeitos, Bunny Girl Senpai não deixa de ser uma das mais competentes tentativas de replicar a fórmula de Monogatari disponíveis no mercado. Caso você esteja disposto a relevar a completa ausência de identidade visual, a obra se destaca pela capacidade de apresentar novos e interessantes modos de explorar diferentes aspectos da rotina social japonesa – bem como o impacto que provoca nos indivíduos nela inseridos –, e usar esses conceitos para contar pequenos arcos de personagem dramaticamente satisfatórios. Pode não ser nem de longe tão brilhante, coeso e bem-executado quanto a franquia na qual se inspirou, mas provavelmente não há concorrentes que cheguem mais próximo.

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